
Leônidas era um pouco medroso, mas nada que o impedisse de tomar uma dose adrenalina vez ou outra, ou, até mesmo, como estava prestes a fazer, de tomar uma dose de chá de cogumelo. O copo tremia em sua mão, cor de burro-quando-foge, com objetos não identificados boiando toscamente. Pensou em desistir, mas olhou para o lado e viu que seu amigo Lírio já virara o seu.
"Ok, vou tentar me controlar... CA-RA-LHO ! Minhas veias são cor-de-rosa neon !", delirou o Leônidas pós-cogumelo, já quase enlouquecendo sem saber o que fazer com tantos pensamentos, tantas idéias e tantas vontades. Queria pular no mar e no céu ao mesmo tempo, então resolveu correr sem rumo para o lado direito da praia, sendo seguido por um Lírio alucinado que gritava "JACKIE KENNEDY, MINHA MUSA ! CASE-SE COMIGO !" de 10 em 10 segundos. Foram correndo sem lenço nem documento até se surpreenderem com um farol listrado, em preto e branco, que se erguia morto à luz do meio-dia mas, que mesmo assim, iluminou mais ainda as idéias fluorescentes dos jovens psicodélicos.
- A princesa, cara... É por aqui que ela fica ! - disse Lírio olhando ao redor.
- Errr... hum... onde ?
Os dois desorientados não faziam a menor idéia de onde ficava a entrada para a caverna da princesa encantada, mas encontraram por sorte um guia que conduzia turistas à Pedra Furada, que fica mais adiante:
- Óia... vocês desce ali, tá vênu ? Aí chega lá embaixo e tem uma abertura, aí tem que adentrar de cóca.
- De que ?
- De cóca. De cócra. Abaixado, rapaizi. Se arribar bate a cabeça. - explicou o guia atormentado por estar dando muitas informações de graça.
Lá estavam. Uma abertura de um metro ou menos, com passagem para uma pessoa de cada vez e os dois mais agitados que siri em lata, imaginando que a princesa era gostosa e que eles iam dar uns catas nela e fazer um tour pela cidade encantada que se escondia depois do portal no qual a moça ficava. Ingênuos, no mínimo. Drogados ? Até demais. Só que não custava nada ir conhecer um lugar já desbravado, que parecia não oferecer perigo nenhum. Então Lírio, que ainda recitava versos para Jackie Kennedy, se calou e entrou 'de cócoras' na caverna, seguido de Leônidas. Só os dois.
Os dois amigos, apesar de muito diferentes entre si, entraram em sintonia quanto ao efeito do chá e começaram a ter as mesmas alucinações. Ao caminhar pela caverna - que apesar do teto baixo exigia uma boa caminhada para chegar ao fim - começaram a sentir que o tempo esfriava a cada passo e que nas pedras desconexas que formavam as paredes ia surgindo uma coisa branca, diferente... era neve. Desviando de estalactites e estalagmites de gelo e devido ao frio, a caminhada foi se tornando mais árdua, mas, sem pensar em desistir sequer um momento, chegaram ao clímax da missão: no fim da caverna, num umbral repleto de cristais, se avistava o colossal, dourado, mágico e inacreditável portão. Sem ação, tudo que Lírio e Leônidas puderam fazer foi caírem sobre seus joelhos e esperar o que já imaginavam que estaria por vir.
Serena, cor de ébano, olhos melancólicos. A face pura e inocente que se perdia em meio a um tronco nu e solitário de humana acompanhado de uma calda dourada e resplandecente de cobra chegou longe de despertar o tesão desesperado e adolescente dos garotos incrédulos que pensavam ter diante de si a visão de algum orixá ou divindade de qualquer religião que fosse - existente ou não. Dos seus cabelos longos surgiam flores do campo amarelas e seus dedos quase negros e compridos seguravam a grade como em pedido de socorro. Em um movimento difícil e sôfrego de realizar, os lábios ternos de índia se entreabriram e sussurraram um som quase inaudível:
- Sangue... por favor...
- Cara, a gente precisa correr. Elas quer nos seduzir para nos matar. ELA QUER SANGUE ! - gritou Leônidas alucinado. Porém, Lírio estava hipnotizado pela beleza mágica da jovem que pedia ajuda e, sem pensar, procurou ao seu redor um objeto cortante. Surgiam pingüins, insetos desconhecidos e flores por todas as partes. Uma trepadeira que ia nascendo do teto da caverna alcançou o chão e prendeu os pés de Leônidas, que devido ao cansaço não conseguiu se desvencilhar ou correr. Lírio, encantado, arrancara um pedaço de gelo da parede e fizera um corte vertical em seu pulso esquerdo.
- E agora, minha senhora ? Tenho aqui meu sangue. Devo morrer ?
- Não... eu... uma cruz em meu tronco. Desenhe... uma cruz... - chorava palavras, a estranha. Lírio, então, passou os dedos médio e indicador pelo corte que jorrava sangue e, sem muito pensar, se aproximou da grade dourada, tocando gentilmente o colo da princesa encantada e desenhando em seu dorso uma cruz.
- E agora ? Estou ficando fraco, o meu sangue... ele... ele vai acabar. Você vai me salvar, princesa ? - nesse mesmo momento, da cruz de sangue surgiu uma luz inebriante e podia-se ouvir do interior do portão melodias de harpa, vozes em um idioma desconhecido, palmas, canções, cavalos galopando e toda a sorte de sons de uma cidade em festa. Do interior da caverna, misteriosamente, surgiu um homem de nariz adunco e roupa de lacaio que trazia consigo um chaveiro repleto de grandes chaves douradas e, com uma delas, abriu o portão monumental. A princesa, porém, que vestia apenas um manto acobreado e bordado em pérolas, virou as costas e caminhou em direção à cidade, como se pedindo que a seguissem. Lírio, pálido e com o sangue já em falta, não conseguiu se mover para adentrar a cidade mágica, e desmaiou. Para sempre. Leônidas já havia sido sufocado pela trepadeira que surgira do nada. Agora, a cidade comemorava a volta da belíssima índia pela qual se apaixonara seu príncipe que, até então, vivera só de lágrimas de saudades e dor. "Pobres garotos... o chá que beberam sequer fez efeito.", riu consigo o lacaio ao fechar o portão e se juntar a um grupo que dançava e bebia na entrada da cidade.
Créditos: Ao
Lucas (pelo nome Leônidas) e aos nativos de Jericoacoara (por espalharem a história da Princesa Encantada, da qual eu gosto tanto).