terça-feira, 13 de maio de 2008

Cabaré cearense - Top model em Fortaleza.

- Aurinha agora tá toda pomposa, cheia de frufrus, vestido de tecido fino, sapato da Boutique Paulista... Parece até que arranjou pretendente rico! - Comentou a fuxiqueira Tonha, vizinha de Aurinha, com sua filha Clotilde.
- É mesmo, viu. Ouvi dizer que comprou até televisão.
- Tá com a gota! É mesmo?
- É sim. Só quer ser a Jackie Kennedy da Paraíba. - No mesmo momento, por um minuto de distração em que saíram do posto de fofoca na frente da casa, as duas não viram Áurea Aires (conhecida como Aurinha), que saía com meia-dúzia de malas e entrava em um carro com motorista contratado, rumo a Fortaleza.
Jovem e bela, Áurea tinha 23 anos de olhos negros e profundos, cabelos delicadamente encaracolados, corpo esbelto e lábios fartos e desenhados. Era o sonho de todos os homens que a viam, uma sereia, feiticeira, com o perfume da tentação exalando de seus poros, era cantora da noite cobiçada por sua beleza e que nunca fizera programa. Sua fama de mulher mais bela e sedutora da Paraíba chegara aos ouvidos da dona do melhor bordel do Ceará que, cansada de suas meninas com feições de índio, ofereceu a Aurinha todo luxo, conforto e caprichos que ela não tinha na terra natal. A oferta era irrecusável e a jovem cantora partiu, de mala e cuia, dizendo a todos que a conheciam que fora contratada para ser modelo de revista de moda.
Áurea estava insegura. Sabia que era a melhor, e isso a tornara um tanto arrogante, porém, estava com medo, sim. Ia virar mulher da vida, objeto sexual. Estava preparada? Após boas horas de viagem, chegaram, enfim, no bordel. Pisou com medo pra fora do carro, mas sem demonstrar que tremia dos pés à cabeça. Foi recepcionada com ardor pela cafetina, que logo tratou de instalá-la em um luxuoso quarto com cortinas de renda, cama com biombo, piso de madeira que tilintava ao bater do salto fino e um banheiro verde e branco, tudo no mais moderno estilo space age.
- Preparada para sua noite de estréia? Convidei os meis bem-quistos homens da alta-sociedade, que estão ansiosos em vê-la. - disse a dona do bordel, encantada com a beleza e o luxo de Áurea.
- Hum... Estou preparada, sim, é claro. Mas preciso de algumas horas de descanso, um chá verde, rodelas de pepino, um banho morno com sais, e... Ah, é claro! Preciso de alguém para arrumar minhas coisas. Desfazer malas me cansa.
- LÍVIA! VENHA JÁ AQUI! - gritou a cafetina olhando para a porta.
- Sim, senhora? - Lívia, uma garota alta de cabelos negros e lisos, índia quase pura, chegara sem ar, perante tanta autoridade.
- Ajude Aurinha a arrumar o quarto, desfazendo as malas e colocando tudo no lugar. Ela precisa descansar, pois irá cantar e... trabalhar - disse dando uma risadinha abafada. - Aurinha, os músicos pediram para comparecer no salão às dezessete horas, para o ensaio geral. Me diga, minha bela, que canções irá cantar?
- Umas de Frank, umas de Marilyn. Sabes que ainda não decidi?
- Confio no seu bom gosto, minha cara. Agora, deixe-me ir, preciso dar as ordenadas às meninas. Com licença. - retirou-se a cafetina com educação.
- Menina, não demore muito. E cuidado com os meus vestidos, eles valem mais que você e suas irmãs todas juntas, se vendidas. - falou com total autoridade Aurinha a Lívia.
Já era quase hora do cabaré abrir e o ensaio geral das dezessete horas teria ido melhor não fossem os chiliques e exigências absurdas de Áurea, que estava absurdamente nervosa. Após o ensaio, foi se arrumar e esperar em seu quarto, sob o efeito de calmantes tarja-preta. "Meu Deus... O que fazer?", sussurrava a moça, desesperada. Até que alguém bate na porta, dizendo ser a hora do grande show. Abriu a porta, deixando a cafetina tonta perante tanta beleza. Aurinha estava hipnotizante em seu vestido de cetim negro, decotado com alças se jutando na nuca e uma fenda do lado direito, que ia da barra até a coxa farta, deixando a mostra cinta-liga e meia-arrastão, uma gargantilha de brilhantes, cabelos à la diva hollywoodiana, enrolados e volumosos, batom carmin e sandálias importadas da França. Desceu a escada em passos firmes, chegando ao palco e deixando todos os marmanjos de queixo caído. Segurou o microfone seguro em uma haste e, afinada e suavemente, começou a cantar The Lady is a Tramp, arrancando suspiros, aplausos adiantados e dinheiro do bolso dos homens, que levantavam as cédulas com empolgação e faziam uma sorte de leilão com a dona do cabaré, que nunca vira tantas ofertas boas em toda sua vida. Seguiu cantando mais canções de Frank Sinatra, sua paixão platônica, até cansar e sua cafetina vir anunciar ao microfone quem havia ganhado a noite de amor com Áurea. O sortudo (e rico) era dono da maior fábrica de sapatos do Brasil, e passava férias no Ceará. Rechonchudo, tinha um enorme bigode que enrolava nas pontas e usava terno italiano. Achou que estava sonhando, quando se viu sendo puxado pela mão da cobiçada, subindo as escadas em direção ao paraíso. Não conseguia pensar em mais nada, só no prazer que estava por vir. Ao chegar no quarto, se lavou e se deitou, como mandava a "etiqueta". Todos no salão esperavam irriquietos para ver como voltaria o homem e alguns foram embora, desapontados, dizendo que só voltariam quando Áurea estivesse disponível, que não queriam outra mulher. Os que ficaram, bebiam e fumavam charutos de Havana, ficando por ali mesmo, já que não fazia diferença, iam ouvir sermões de suas esposas do mesmo jeito, o mal estava feito. Até que o inesperado aconteceu e lá descia correndo a escada o rico dono da fábrica de sapatos, sem camisa, com a calça desabotoada, olhos esbugalhados e rosto vermelho em chamas. Corria e, mesmo sem fôlego algum pra falar, juntou suas forças e gritou, aterrorizado:
- É UM HOMEM, MEU DEUS! AQUILO É UM HOMEM!