segunda-feira, 3 de março de 2008

Cabaré cearense.

É como se eu as visse debruçadas nas janelas. Sim, aquelas janelas bem antigas, com vasos repletos de brincos-de-princesa. É também como se eu as visse fumando cigarros no sol fervilhante do meio dia, com grampos no cabelo e resquícios da maquiagem pesada da noite anterior.
Clotildes, Matildes e algumas até mesmo com nome de artista de cinema. Nome artístico, é claro. Nomes que, no interior de onde vieram, jamais conseguiriam ser pronunciado entre tantos "oxente" e "cabra véi". Evitavam usar tais gírias, obviamente. Afinal, quem não queria ser como as deusas da bossa ? Aquelas cariocas douradas que chiavam, usavam roupas ousadas e desfilavam no calçadão de Copacabana com seus maiôs modernos... E elas, meras nordestinas que estavam "na vida" por ter como outra opção ter ficado no interior e jamais arriscado a vida na capital.
E tinha Ela. A Abelha Rainha, a Entidade, a Suprema. Ela que usava perfumes franceses trazidos de presente pelos empresários de mais fino-trato: Médicos, advogados e herdeiros de grandes fortunas. Era uma empresária de sucesso, trazia as meninas de Juazeiro do Norte, Quixeramobim e outras localidades "fim-de-mundo" do tipo. As trazia e as transformava, aparentemente, em damas dignas de servir a alta-sociedade.
Durante o dia, nesse calor cearense e infernal, elas se escondiam por trás das janelas enquanto limpavam o cabaré. Lustravam o chão para que não brilhasse menos que os sapatos pretos dos clientes e tiravam o pó de cada garrafa de licor, uísque e cachaça nas prateleiras.
É claro, que Ela não fazia nada o dia inteiro, além de deitar com rodelas de pepino nos olhos e ouvir Chico na vitrola. Se identificava com Geni, assim como todas as prostitutas de luxo devem se identificar, diga-se de passagem. Não pensava merecer que jogassem pedras nela, apenas entendia que os outros, por não entenderem suas necessidades e os fatores que a levaram para aquela vida, tivessem preconceito. Estava acostumada a ser apontada quando passava na rua: "Olha, é ela !", "Mas não tem vergonha na cara, mesmo !", "Filha, jamais chegue perto dessa mulher da vida !"
E quando chegava a noite... Ahhh ! Aquilo ali ficava uma maravilha ! As meninas que corriam para acender as luzes e ir pro quarto se lavar e se maquiar. Exageravam no rouge, isso dava um ar de européia, achavam elas. O batom, nem se fala... Um cor que inspirava o sexo, a paixão.
Então os homens começavam a chegar. Colocavam seus chapéus e paletós no cabide que ficava ao lado da porta, do lado de dentro, exibindo suas impecáveis camisas brancas de brim, que, mais tarde, ficariam com cheiro de colônia de lavanda e marcas do batom vermelho que inspira sexo. Sentavam para assistir o show de dama mais bela, acendiam seus charutos e esperavam que as meninas viessem sentar em seus colos. Uns tinham suas favoritas, que se arrumavam especialmente para serví-los. Logo se ouviam os saltos subindo as escadas, as "moças" rebolando o máximo que conseguiam a cada degrau e gritinhos alegres de mulheres bêbadas.
Enfim, era suor, bebidas e fumaça de charuto a noite inteira. No dia seguinte ? Bem... No dia seguinte as mesmas rodelas de pepino e o chão lustrado.

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